Cicatrizes Misteriosas - Capítulo 2

24 de mai. de 2014 | | |

— Porra, SeuNome! Eu já disse para não vir — Nathan abriu a porta de seu apartamento e suspirou, tentando controlar-se para não ser mais grosso do que deveria. Ele estava sem camisa, e abaixo de seus olhos azuis pude enxergar algumas olheiras — Sempre tão teimosa, orgulhosa, segura de si… — permitiu passagem, e eu entrei. Bem, a parte do “segura de si” não era completamente verdade. Mas ninguém precisava saber disso. A casa tinha cheiro de produto de limpeza, e na sala tinha um computador e uma televisão ligada à um videogame.
    — Onde está Dave? — perguntei, antes que ele começasse algum discurso patético.
    — No quarto de hóspedes. Ele está dormindo. Pra quê tanta pressa, cara? — me encarou com decepção — ele estava bem, estava sendo medicado, cuidado… Ninguém estava o sufocando e nada do tipo… Ele é independente, sabe o que faz, desde que se meteu nesse mundinho de merda… E quer saber? Estou cansado de acobertá-lo. Estou cansado de acobertar você também. Ele estaria ao seu lado amanhã mesmo, curado, fora do coma. Qual é o seu problema? Por que acha que pode resolver tudo? Tão imatura…
    — Não sou imatura. — retruquei, e o encarei de um jeito tão sério que o fez balançar negativamente a cabeça.
    — Imatura sim. — insistiu — Qual é?! Acha que é uma Deusa desconhecida a qual pode curar todos fazendo o que bem entender? Sai dessa! O que mesmo você sente por Dave? Porque amor, tenho certeza que não é. É pena. É pena, e vontade de mostrar pra todo mundo que não é uma coitadinha, não é? Pra mim, pro seu pai, para a sua mãe, para o Daniel… — me alfinetou. Senti minhas bochechas enrubescerem.
    — E você é um “adulto” de vinte e um anos babaca, que vive dando ordens e tentando aplicar algo que nem você sabe… Em nenhum momento eu pedi sua ajuda, muito menos algum palpite seu sobre minha vida. — gritei
    — Dave está te destruindo,SeuNome! Cacete! — gritou — Estou sem paciência para ouvir suas reclamações fúteis, quando estamos falando de algo sério. Você vai acabar morrendo, de tanta raiva que passa, de tantas coisas inúteis que tenta provar… ISSO É RIDÍCULO! — gritou ainda mais alto — ISSO NÃO PROVA NADA! Eu cansei de pagar de pai pra você, quando o seu fica o dia inteiro trancado naquela merda de escritório pensando somente em lucrar, lucrar e lucrar — meus olhos lacrimejaram — FODA-SE O DAVE! SEGUE SUA VIDA, PORRA! Dave só te machuca… Isso não é o tipo de coisa que você tem que se intrometer, tem assassinato no meio, drogas, bebidas…Você só tem dezesseis anos, cara — diminuiu o tom de voz.
    — Eu não… — segurei as lágrimas — Eu não… Consigo acreditar que todos viraram contra mim… Mas tudo bem, eu nasci sozinha, posso muito bem aprender sozinha. — abaixei a cabeça — Eu vou atrás de Dave. — ignorei Nathan, e procurei pelo quarto de hóspedes.
    O apartamento era pequeno, tinham apenas dois quartos, uma pequena cozinha e uma sala… Nathan morava sozinho desde os dezenove anos.
    Assim que alcancei a porta, encontrei Dave sentado em uma cama, cabisbaixo. Seus cabelos pretos estavam desgrenhados e… ele estava chorando. Corri até ele e sentei ao seu lado, mas antes que eu possa falar alguma coisa, ele me interrompe:
    — Eu ouvi cada detalhe dessa conversa, e Nathan tem razão… — me fitou — Mas, por favor, não quero que vá embora agora… Só quero que pare de sofrer por mim… Mas, fica, por favor, eu só preciso de um abraço…Pare de ficar sofrendo, sério. Eu não preciso de sofra por mim. Eu só preciso que me abrace, só. Mas, quero que me prometa que jamais irá se arriscar por mim, ok? — o apertei contra meu peito, chorando. Suspirei, e encarei Nathan nos fitar da porta, indignado. Mas ignorei, fechei os olhos e apertei Dave ainda mais.
    Cheguei à uma conclusão: Não somos namorados. Somos mais dois adolescentes frustrados querendo um rumo para a vida, unidos, sem saber como ajudar um ao outro. Eu não lembro-me ao certo quando isso se tornou concreto. Mas sei que era assim, e fim. Ninguém poderia fazer nada para impedir.
    É isso.
***
    Acordei, suspirando.
  Nunca me senti tão perdida em um metafórico abismo de meus pensamentos. Nunca senti como se o mundo afora fosse algo maçante, estúpido. Nunca provei a sensação de sentir-me vazia. Nunca senti como se eu estivesse extasiada pelo sofrimento, e pela dor. Mas, principalmente, nunca mergulhei em um mar de incógnitas.
    Eram sete da manhã, e eu me encarava no espelho. Meus olhos verdes estavam inchados, repletos de olheiras. Meus cabelos castanhos, desgrenhados. Os machucados de ontem ainda eram ressaltados em meu rosto, nem maquiagem conseguia disfarçar. A minha blusa de frio, por pouco, não exibia mais alguns arranhões. Joguei-me na cama, coloquei a cabeça sobre as mãos, e me perguntei, mais uma vez: por quê?
    Não eram apenas alguns meses jogados na lixeira. Era o meu próprio eu, jogado lá dentro, em um lugar em que, pequena do jeito que sou, jamais alcançaria. Minha cabeça latejava, e as palavras que Dave dissera ontem, repetiam-se juntas ao latejar sem fim. Sei que pode ser banal, mas não sei o que ele quis dizer com “quero que me prometa que jamais irá se arriscar por mim, ok?”. Será que seria o fim?
    Acho que, finalmente, cheguei a uma conclusão: amar dói. Cada partezinha do corpo. E acho, que doer por dentro, para a vida, não é suficiente. Ela arranca de dentro pra fora, tirando suas noites de sono, seus sorrisos, sua chance de respirar a liberdade dos pensamentos límpidos, impecáveis. Se é que em algum dia eu tive a chance de respirar.
    — SeuNome?! — ouvi a voz de meu irmão, acompanhada do soar de seus dedos batendo à porta.
    Caminhei até ela, e abri. Olhei para cima, em função de encará-lo. Ele era alto, beirava os 1,95 metro de altura.
    — Quer que eu te leve? — sua voz era calma.
    — Se não for muito incômodo, sim.
    — O que é isso em seu rosto? — franziu as sobrancelhas.
    — Eu me machuquei ontem... Quando eu...
    — Pulou a janela, não foi? A mãe me contou. Eu estou decepcionado com você. —seu olhar era realmente profundo, e ele fazia movimentos negativos com a cabeça, indignado — ainda tenho esperanças de que esse cara deixe de estragar sua vida. — virou-se para o corredor.
    — Ele não vai mais estragar. — disse, friamente, antes que ele pudesse ir para muito longe — Porque não existe mais nós, entendeu? — aumentei o tom de voz. Ele virou-se novamente para mim — Não existe mais. Pode beber seu vinho, fumar seu cigarro e comemorar. — usei sarcasmo — Afinal, tudo o que vocês querem aqui nessa casa é somente a minha infelicidade, não é mesmo? — eu estava me descontrolando. Respirei fundo, para acabar não piorando a situação — Eu vou indo, — dei dois passos — sai da frente. — assim que fiquei à sua frente, encarei profundamente seus olhos — Tenho que estudar para ser alguém na vida, ao contrário de você, que com vinte anos na cara não teve coragem de adentrar em uma simples faculdade. Tenha um bom dia. — finalizei, correndo até a saída.
   
***
   — Eu detesto profundamente este inferno. — disse, assim que saí do carro de Lana e me dei de cara com Jenn e Patrick.
    — Bom dia pra você também, cacatua semimorta! Eu hein… — disse Patrick, fazendo-me rir fraco.
    — E você? Bem… Poderia ser um macaco colorido, que tal? — perguntei, usando sarcasmo.
    — Cala a boca — riu. Cumprimentei Jenn e fomos os quatro em direção ao pátio da escola.
    ***
    Fui a primeira aluna à alcançar a porta da sala de aula. Provavelmente porque não gosto de ficar conversando e fazendo hora no pátio.
    Antes que eu pudesse adentrar, senti duas mãos geladas tocarem meus ombros. Alguém mais alto que eu. Dave e eu tínhamos horários muito parecidos. Não acabou,SeuNome, não acabou. Agi com naturalidade, como se nada tivesse ocorrido.
    — Bom dia. — ele segurou minhas mãos e entramos juntos, caçando algum lugar no fundo.
    — Chega a ser inacreditável sua coragem de vir à escola quando acabara de sair de um… coma alcoólico — usei ironia, e sentei-me.
    Logo uma multidão de alunos apareceu, e a sala que há segundos era silenciosa, tornou-se um lugar barulhento e irritante.
    — Sou mais forte do que pensa, SeuNome. — deu um meio-sorriso e virou-se para a frente, como se estivesse interessado no conteúdo das aulas.
***

    Era intervalo, e minha cabeça ainda estava latejando. O cheiro de fritura empesteava o refeitório. As vozes dos alunos, como sempre, davam uma impressão de desordem. Com uma bandeja sobre as mãos, e ao lado de Dave, eu caminhava, procurando a mesa de meus amigos. Assim que a achei, coloquei minha bandeja sobre ela, logo depois segurando as mãos de Dave para puxá-lo para minha mesa, mesmo que eu soubesse que aquilo não o faria bem. Antes que pudesse sentar, ouvi:                                                             
    — Olha só, se não é a garota patética com o namoradinho bêbado… — Alison chamou minha atenção. Suspirei. Ela dizia isso, porque, no fundo, fazia de tudo para ter Dave perto dela. Até o começo do ano, Dave era um dos garotos mais paparicados da escola.
   — Olha só, se não é a Alison! Vadia que anda sozinha por dar pra muitos e não achar um que possa satisfazê-la! — todos à sua volta riram, e Dave apertou minha mão, como se soubesse que eu iria atrás dela.
   — Você não sabe com quem está se metendo, Miller. — me encarou, levantando-se. A olhei de cima à baixo, rindo. Ela era três dedos mais baixa que eu, e tinha um corpo cheio de curvas, trajava roupas de líderes de torcida, e tinha olhos verdes bem escuros. Os meus eram alguns tons mais claros. E mais bonitos, claro.
    — Com a filhinha do diretor do colégio, é, Moveen? — fiz cara de pena, imitando o tom em que ela disse meu sobrenome, e puxei minhas mãos das de Dave,  jogando a minha mochila no chão. Olhei para a minha mesa e encontrei Drosh me fitando. Eu poderia ficar feliz, mas apenas fechei a cara e rapidamente voltei o rosto para Alice. Uma adrenalina gostosa veio até à mim acompanhada de uma vontade de socá-la o mais rápido possível.
    — Não vai ser dessa vez que irá me tirar do sério, SeuNome. — com a voz rígida voltou para sua mesa, e sentou-se. Ri fraco e também voltei para a minha.
    — O que aconteceu?  — Lana perguntou, boquiaberta.
    — Deveria ter quebrado a cara daquela vadia — Jenn disse, enquanto mastigava suas batatas fritas.
    — Menina, arrasou! — Patrick disse, levando um garfo com salada até a boca.
    — Eu estou bem, Lana — sorri — Só falei algumas verdades, nada comparado ao que eu realmente queria dizer. — desenrrolei meu hambúguer e cravei os dentes nele.
    — SeuNome, você é bolsista, pode perder a bolsa, controle-se — Dave sussurrou, depois virando-se para frente. Ignorei.
    Observei Drosh — o namorado de Lana — que estava à minha frente encarando-me. Seus cabelos loiros estavam úmidos, e seus olhos verdes intensos. Ele sabia que eu não estava bem. Éramos amigos desde a pré-escola. Ele andou ausente porque foi suspenso. Ele não era do tipo que se misturava com muita gente, andava só conosco, e de vez em quando com um grupo esquisito, o mesmo em que o Harry participava. Drosh me lembrava um pouco seu cantor preferido, Kurt Cobain. Mas nada tão parecido assim. Somente os cabelos.
    — SeuNome... — Drosh me encarou ainda mais profundamente — Tem como me esperar hoje depois das aulas? Preciso conversar com você. Sério. — sua voz era calma, aveludada.
    — Tudo bem. Eu espero. — finalizei, cravando novamente os dentes em meu hambúrguer. Eu não queria perder tempo levantando hipóteses do que poderia ser o assunto. Eu já sabia.
    Senti alguém me cutucar. Virei-me para trás, e encontrei Harry.
    — Ei, você pode me acompanhar? — perguntou.
    Antes de me levantar da mesa, encarei meus amigos. Lana me encarava daquele seu jeito tradicional, com repreensão, e Jenn, sorria pra mim, como se dissesse: vai. Patrick sorriu maliciosamente, e Dave não ligava. Levantei-me da mesa, e o acompanhei, até uma parte mais vazia do refeitório.
    — É o seguinte... — colocou a mão em um dos bolsos da calça de uniforme, e retirou de lá uma pulseira — Cuidado, garota. Você deixou isso comigo. — disse, sério, colocando a pulseira em minhas mãos — Isso tem valor, eu poderia muito bem ter vendido. — riu fraco — Bem, eu já entreguei o que deveria. — abri a boca para falar algo, mas ele foi mais rápido — Não precisa agradecer e nem nada do tipo. Foi somente uma gentileza rara de minha parte. — e desapareceu na multidão de alunos. Ele era misterioso. Eu não consegui entender a mensagem por trás das palavras que acabaram de sair de sua boca.
    Na verdade, eu não conseguia entender absolutamente nada.
***
    Depois das aulas, fui para a outra parte do campus. Ele era composto por corredores, e as salas tinham paredes de vidro. Na sala onde tinham as aulas de música, uma garota com a voz linda cantava. Passeando pelo corredor, encontrei a sala onde treinavam karatê.
    Styles estava no ringue, contra um garoto de cabelos longos. Seus socos eram certeiros, e sua agilidade era incrível. Seu corpo estava suado. Logo, o rapaz contra ele não tinha como fugir de seus golpes ágeis. Chegou ao ápice da luta rapidamente, como ganhador. Seu olhar atraiu-se pelo meu, e ele permaneceu do mesmo jeito, mas desviou. Eu não me importei. Ele sempre era frio. Meias palavras bastavam para ele.
     — SeuNome! – assustei-me ao ouvir meu nome. Drosh. – Desculpe a demora. — Virei-me. Nas costas, ele carregava uma guitarra guardada. — Eu tive que auxiliar um iniciante.
    — Tudo bem... — sorri para ele — O que mesmo você tem a dizer? — o encarei.
    — Me acompanhe. – assenti, e o segui. Andamos até alcançarmos uma espécie de banco, em frente à sala de literatura.
    — Então... — ele olhava para frente. Pegou um cigarro rapidamente e o acendeu — Eu acho que você deve tomar cuidado. — assoprou —  Seu nome anda sendo citado em todas as partes do colégio. Resumidamente, você se fodeu. — tragou, logo depois fazendo seguidos movimentos esquisitos com a boca, assoprando círculos. Aquilo era estanho. — Porque, está intitulada como a “boazinha”. Tem noção do quanto de gente ri da sua cara?
     — Não me importo com títulos, e nem regras. E você, por que está fumando logo no pátio da Constance? Berço dos diretores malucos e dos alunos drogados? — ri.
    — Não me importo com títulos, e nem regras. — repetiu, me fitando. O cheiro de cigarro invadia meu nariz, e por alguns segundos pensei em qual seria a sensação de tragar.
    — Não nos importamos — sorri — Mas, bem…Como sabe que estou sendo intitulada de “boazinha” — fiz aspas — se estava suspenso?
    — Porque não é somente na escola. É em toda a região. Desconfio que daqui à pouco sai nos jornais “Filha de advogada gostosa é conhecida pelos adolescentes da região como a boazinha. Tipo a passiva da relação”. — fez uma expressão esquisita, tentando interpretar algo polêmico.
     — Jornal chulo, não acha? — ri — Você é tão sincero…. Deveria casar-se com Jenn.
     — Se ela aguentasse mais que três minutos, talvez…Odeio rapidinhas, elas não são meu forte. Gosto de manipular e tal… Fazê-la implorar por um longo tempo…
    — DROSH! — gargalhei — Ah não… Espera…. ROLOU?! Eu não tô sabendo!
    — Ah, rolou sim. Ela estava bêbada, nem deve se lembrar. Eu não estava, então, consigo lembrar perfeitamente…Por isso ela perdeu o namorado… Faz tempo, foi em uma chácara, à um tempo atrás.
    — Não acredito! — abri a boca.
    — E você? Perdeu a virgindade?
    — Ahn… — o encarei, abaixando a cabeça.
   — Garota, se você não fosse a minha melhor amiga, já estaria na minha cama. — riu.
    — Quê?! — perguntei, o olhando com dúvida.
    — Relaxa, é uma brincadeira. — piscou, e acendeu outro cigarro.
***

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